Deu vontade de contar histórias pra criançada (e para os adultos, por que não?), mas não sabe por onde começar? Eu te ajudo!
Primeiro, você precisa saber se quer apenas abrir um livro e ler para alguém na hora de dormir, ou se você deseja criar um momento especial em família para contar histórias. No primeiro caso, basta que você tenha alguns bons livros (eu já falo deles) e se disponha a ler. Simples assim. Você já estará ativando vários daqueles benefícios das histórias que contei no outro artigo.
Mas, se deseja construir essa contação como um passatempo, de uma forma mais elaborada, aí vão algumas dicas:
Prepare o ambiente. Não estou falando de cortinas de teatro ou aparatos multicoloridos. Desligue TV, afaste celular, feche o computador. As telas hoje são nossa principal distração, e as imagens e sons produzidos ali podem despertar nossa atenção em uma fração de segundo. Só com os aparelhos desconectados é que conseguiremos nos conectar verdadeiramente com as pessoas que nos cercam e com a história contada.
Fiquem em círculo de preferência, ou de alguma forma em que todos possam se enxergar. Durante a história, acontece uma troca de olhares e de energias que é impossível descrever ou reproduzir. Cada momento é único, cada família tem uma dinâmica. Estando confortáveis fisicamente, o conforto emocional vem mais fácil também.
Cuide da sua voz durante este momento. Não precisa ser uma voz de locutor de rádio, mas também não pode ficar tão baixinha que ninguém ouve. Modere a sua fala. Se tiver algum momento de impacto na história e você quiser transmitir isso com a sua voz, deixe a emoção tomar conta. Mas se ficar sempre forte, incomoda. Sempre fraca, dá sono. Você vai aprender isso com a prática.
Crie um começo divertido para convidar sua família para este momento. Já imaginou que gostoso ouvir uma música no violão ou na sanfona, avisando que é hora da história? Que tal um verso, uma quadrinha popular? Essa etapa é importante porque acalma e traz o foco de todos para o aqui e agora. Ah! E imediatamente antes de começar, respire fundo. Isso vai oxigenar o seu cérebro e induzir a que todos façam o mesmo, preparando realmente o clima para receber a história.
CONTE a história. Se não se sentir seguro, não faça isso ainda. Mas conte, não leia. Conte do seu jeito, com suas memórias e referências. Tempere o conto com suas vivências. Isso traz verdade, empatia e conexão emocional. Não importa se você esquecer alguma parte, trocar algum detalhe. Essa é a graça dos contos de tradição oral. E isso vai dar o gancho para a próxima dica.
Conte contos da tradição oral. Como o nome diz, eles são tradicionais, transmitidos de boca em boca, de geração a geração, repassando, acrescentando e transformando as histórias através dos tempos. Essas são as histórias que carregam os maiores dramas e verdades da vida humana, revestidos por uma roupagem poética e encantadora. E quais são os contos da tradição oral? Os famosos contos da carochinha, ou contos de fadas (Cinderela, João e Maria, Patinho Feio, Chapeuzinho Vermelho…), contos maravilhosos (sabe aqueles das Mil e uma noites? Aladim e a lâmpada maravilhosa, Ali Babá e os quarenta ladrões e uma infinidade de contos árabes, persas, turcos…), as lendas populares (Saci, Mula-sem-cabeça, Gralha Azul, Negrinho do Pastoreio, Mandioca, Araucária…), os contos de sabedoria (tem muitos contos budistas, hindus, chineses, japoneses, sempre trazendo uma mensagem de esperança, amor, superação…), as fábulas (A cigarra e a formiga, O ratinho e o leão, A raposa e as uvas, O cão e o lobo…). Além de tudo isso, conte as histórias da sua família, dos seus avós, do seu povo, da sua região. Olha que repertório enorme e incrível você já tem nas mãos!!
Pense numa frase para terminar. Pode parecer bobagem, mas a sonoridade desta última frase tem um poder incrível de fechamento. Aqui estão alguns exemplos para você:
“Conto contado, conto acabado!”
“Entrou por uma porta e saiu por outra, quem quiser que conte outra!”
“Uma borboleta voou e essa história terminou”
“O anel que tu me deste era vidro e se quebrou, essa história tão bonita foi-se embora e acabou!!
DICAS BÔNUS
Mas, se deseja construir essa contação como um passatempo, de uma forma mais elaborada, aí vão algumas dicas:
Não esqueça de cultivar o hábito da leitura para que você alimente seu mundo interno com imagens e metáforas maravilhosas.
Esse costume te trará repertório e, com o tempo, você vai colecionando contos e sabendo usá-los na hora certa!! Leia livros de vários assuntos, mas, para construir esse repertório rico para contar em família, procure coletâneas de contos. Vou deixar várias sugestões para você no final deste texto.
A luz do ambiente pode ser um item para se observar também.
Se essa atividade acontecerá à noite, que tal apenas um abajur, ou luz de velas para incrementar o clima de aconchego e mistério? Se for de dia, você pode abrir bem as janelas, enfeitar com flores naturais, ou borrifar um aromatizador de ambientes, com cheirinho mais cítrico, suave. Isso dá frescor e traz boas energias para a concentração.
Preste atenção ao tempo ideal de cada história e de quantas cabem neste momento.
Preste atenção ao tempo ideal de cada história e de quantas cabem neste momento. Como já comentei, cada família tem uma dinâmica, mas histórias com uma média de 7-8 minutos são uma ótima pedida! Quantas histórias contar? Talvez umas 3 ou 4. Você contou uma história longa, todos ficaram entretidos e você sentiu que “já deu”? Ok. Termine em uma história apenas. Ou, ao contrário, as histórias foram acontecendo, outras pessoas quiseram contar e vocês ultrapassaram 4 histórias? Não tem problema! O que importa é que esse encontro seja muito gostoso e confortável!!
MITOS e VERDADES
Você já deve ter ouvido algumas verdades sobre o ato de contar histórias, mas será que todas fazem sentido? Vamos desvendar juntos!
Preciso de uma “voz boa” para contar histórias.
MITO. Você precisa da SUA voz, do seu jeito, do seu repertório, do seu olhar e das suas vivências. A sua voz comunica fatos, emoções, sentimentos de forma diferente de qualquer outra pessoa. Acredite.
É importante ter alguns fantoches ou objetos para auxiliar na contação.
MITO. Os fantoches podem servir como um recurso, mas, de forma alguma, torna-se obrigatório tê-los ou manipulá-los. Pelo contrário, se tiver que escolher entre usá-los para incrementar a performance ou preparar melhor a sua história, escolha a segunda opção. Uma história bem contada, como se você tivesse testemunhado os fatos, supre qualquer “extra”. E tem mais: enquanto ouvintes, se não temos objetos e recursos para observar, somos impelidos a usar nossa imaginação e nossas forças criativas para desenhar mentalmente os cenários e personagens, participando ativamente do processo da contação. Se fizer questão de usar, use. Mas lembre-se: NADA pode ser maior do que a história.
Preciso ter boa memória para saber contar.
VERDADE. Para contar com fluidez, é necessário memorizar pelo menos os pontos-chave, ou o “esqueleto” da história que será contada. Mas lembre-se: memória também é uma capacidade aprendida e passível de desenvolvimento.
É sempre bom ter uma “moral da história”, para trazer ensinamentos bons para quem for ouvir.
MITO. Querer sempre trazer uma moral, pinçar os ensinamentos, ou pior, só escolher contos com ensinamentos muito rasos, sem profundidade de reflexão, só vai afastar seu público de você. Ainda mais se, depois da contação, as histórias forem utilizadas como ferramentas de coerção, de ameaças do tipo “viu o que aconteceu com aquele personagem do mal???”. Não precisamos dizer o que já está dito. Cada pessoa interpreta de acordo com sua faixa etária e suas vivências até o momento. Se deixarmos esse momento ser gostoso, provavelmente teremos uma audiência pedindo para ouvir de novo e de novo… E aí os ensinamentos que elas intuitivamente querem e precisam serão ouvidos com o coração aberto, e não de maneira “forçada”.
Preciso conhecer várias histórias para poder contá-las.
VERDADE. Ter repertório vasto e diversificado é fundamental para um bom contador de histórias. Por isso, leia, procure, ative sua curiosidade por diversos assuntos. As histórias vão surgir naturalmente para você. Porém, não confunda conhecer várias histórias com ter muitos livros. Sim, eles são importante fonte de conhecimento de histórias e culturas diferentes, mas eles custam. E aí não podemos usar como desculpa o fato de não termos como investir em livros para conhecer histórias. Hoje temos acesso a blogs, canais no youtube e outras fontes na internet para esta pesquisa. Confira no final do texto três dicas sobre os livros.
Retirar as partes mais difíceis ou assustadoras das histórias é o mais indicado.
MITO. As histórias são metáforas sobre o comportamento humano e falam fantasticamente sobre os problemas da vida e que angustiam todo ser humano – morte e vida, amor e ódio, pobreza e riqueza, poder e submissão, medo e coragem… Quer forma mais rica de ensinar (às crianças, especialmente) sobre o mundo, sobre a vida, sobre sua relação com o outro e consigo mesmos? Não retire as partes difíceis das histórias. Se um conto te deixa absolutamente desconfortável, não o conte por ora. Espere, amadureça-o dentro de você e escolha outra história mais leve, mais gostosa na sua opinião. Mas não mutile os contos. Eles são importantes assim como resgate da sabedoria dos povos.
POR ONDE COMEÇAR A MONTAR SUA BIBLIOTECA?
- Minha primeira dica é começar com livros que são coletâneas de histórias. Contos de fadas, lendas, contos de várias partes do mundo… Não faltam opções! E, ainda por cima, o custo-benefício é o melhor, na minha opinião! Os livros variam, mas podem ter 7, 10, 50, 100 histórias num único exemplar. Rapidamente você terá um repertório bem variado para escolher os contos que mais lhe agradam para fazer parte de seu repertório.
- Já tem livros de contos de várias partes do mundo? Agora você pode investir em bons autores nacionais: Ilan Brenman, Eva Furnari, André Neves, Ana Maria Machado, Ruth Rocha, Ziraldo, Cecília Meirelles, Daniel Munduruku, Clarice Lispector são nomes que, seguramente, trazem muito colorido e diversidade temática entre seus títulos. Grande parte desses livros são de contos ou pequenas histórias, possíveis de serem memorizadas e contadas.
- Quer agora partir para histórias mais longas (ou até mais complexas), para alimentar seu mundo interno e talvez fazer uma roda de leitura com sua família? Aposte em Monteiro Lobato, Pedro Bandeira, Lygia Bojunga, Marina Colasanti e também nos clássicos nacionais e internacionais, como Júlio Verne, Alexandre Dumas, Mark Twain, José Mauro de Vasconcellos, Saint-Exupéry, Machado de Assis, José de Alencar e tantos outros… A lista é infinita!
A partir destas dicas e sugestões, tenho certeza de que você fará ótimas escolhas para construir seu repertório de contador de histórias! Boas leituras!
SUGESTÕES DE LEITURAS
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Se preferir, pode começar pelos contos e lendas que já contamos aqui no nosso blog, como: As lendas de São Luiz do Purunã, A Lenda da Araucária, A Lenda da Erva-Mate .
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Escrito por Maria Fernanda Campos, educadora e contadora de histórias do Projeto Educando, realizado pelo Instituto Purunã.